Bocage
Bocage
Manuel Maria de Barbosa l´Hedois Du Bocage (Setúbal, 1765 – Lisboa, 1805), poeta português e, possivelmente, o maior representante do arcadismo lusitano. Embora ícone deste movimento literário, é uma figura inserida num período de transição do estilo clássico para o estilo romântico que terá forte presença na literatura portuguesa do século XIX.
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Camões, comparando com os dele os seus próprios infortúnios Camões, grande Camões, quão semelhanteAcho teu fado ao meu quando os cotejo! Igual causa nos fez perdendo o Tejo Arrostar co sacrílego gigante: Como tu, junto ao Ganges sussurrante Da penúria cruel no horror me vejo; Como tu, gostos vãos, que em vão desejo, Também carpindo estou, saudoso amante: Lubíbrio, como tu, da sorte dura, Meu fim demando ao Céu, pela certeza De que só terei paz na sepultura: Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!... Se te imito nos transes da ventura, Não te imito nos dons da natureza. |
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A lamentável catástrofe de D. Inês de Castro Da triste, bela Inês, inda os clamores
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O Ciúme |
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Desejo Amante Da triste, bela Inês, inda os clamores |
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Em louvor do grande Camões Sobre os contrários o terror e a morte |
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Já Bocage não sou!... À cova escura Já Bocage não sou!... À cova escura Meu estro vai parar desfeito em vento... Eu aos céus ultrajei! O meu tormento Leve me torne sempre a terra dura. Conheço agora já quão vã figura Em prosa e verso fez meu louco intento. Musa!... Tivera algum merecimento, Se um raio da razão seguisse, pura! Eu me arrependo; a língua quase fria Brade em alto pregão à mocidade, Que atrás do som fantástico corria: Outro Aretino fui... A santidade Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia, Rasga meus versos, crê na eternidade! |
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MEU SER EVAPOREI NA LIDA INSANA
Meu ser evaporei na lida insana Do tropel de paixões que me arrastava; Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava Em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana A existência falaz me não doirava! Mas eis sucumbe a natureza escrava Ao mal que a vida em origem dana.
Prazere, sócios meus, e meus tiranos! Esta alma, que sedenta em si não coube, No abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus! Quando a morte a luz me roube, Ganhe um momento o que perderam anos, Saiba morrer o que viver não soube. |
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SONETO IX
Arreitada donzela em fofo leito Deixando erguer a virginal camisa, Sobre as roliças coxas se divisa Entre sombras sutis pachocho estreito:
De louro pêlo um círculo imperfeito Os papudos beicinhos lhe matiza; E a branda crica, nacarada e lisa, Em pingos verte alvo licor desfeito:
A voraz porra as guelras encrespando Arruma a focinheira e entre gemidos A moça treme, os olhos requebrando:
Como é ainda boçal perde os sentidos; Porém vai com tal ânsia trabalhando, Que os homens é que vêm a ser fodidos. |
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Esperança Amorosa Grato silêncio, trémulo arvoredo, |
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DOS TÓRRIDOS SERTÕES, PEJADOS D’OURO
Dos tórridos sertões, pejados d’ouro, Saiu um sabichão d’escassa fama, Que os livros preza, os cartapácios ama, Que das línguas repartem o tesouro:
Arranha o persiano, arranha o mouro, Sabe que Deus em turco Alá se chama; Que no grego alfabeto o G é gama, Que taurus em latim quer dizer touro:
Par papaguear saiu do mato: Abocanha talentos, que não goza; É mono, e prega unhadas como gato: É nada em verso, quase nada em prosa: Não conheces, leitor, neste retrato o guapo charlatão Tomé Barbosa?
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Invocação à Noite Ó deusa, que proteges dos amantes |
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Retrato próprio
Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste da facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.
Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno:
Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades:
Eis Bocage, em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia em que se achou mais pachorrento.
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